Há 75 anos Clarice Lispector chegava à Belém
‘' Olhos de cigana oblíqua e dissimulada '' . A definição de José Dias sobre os olhos de Capitú, ambos personagens do romance machadiano ''Dom Casmurro'', ficaram eternizados no imaginário popular; uma ideia que pelos julgamentos primeiros eram semelhantes aos do Diabo. No entanto, com Bentinho (outro personagem da obra), o olhar ganhou superlativos, definições, hipérboles. De um olhar maléfico e falso, tornou-se ''olhos de ressaca'', equiparado às ondas do mar, que, segundo o narrador, saíam das pupilas. Porém, voltemos ao que nos interessa no momento. Outro olhar. Ao meu ver, a personificação do ''olhar machadiano'', o verbo fazendo-se carne. E, não desprezando a essência do título, voltaremos à Belém dos anos 40; à vida boêmia paraense, à caoticidade da Grande Guerra, e às mangueiras que contemplaram uma das maiores escritoras da literatura Brasileira passear pelos subúrbios da atual Avenida Presidente Vargas.
Nascida em 10 de dezembro de 1920, na cidade ucraniana de Tchetchelnik, Haya Pinkhasovna Lispector virou Clarice, e, no Brasil, teve o seu nome como símbolo de uma nova geração de escritores e escritoras que ''aposentariam'' a então geração heroica do modernismo brasileiro. Apesar de odiar tais classificações e enquadramentos em torno de si e da sua obra, Clarice Lispector encontra-se na ''geração de 45''. Porém, segundo ela (e tal fala fora dita inúmeras vezes), ''Não escrevo pra agradar ninguém''. Decerto, era única, trouxe consigo uma revolução prosaica e poética que ainda hoje são objetos de estudo para vários críticos literários. Dentre estes, o filósofo e escritor paraense Benedito Nunes (1929-2011).
Em 1944, casada com o
Diplomata Maury Gurgel Valente, mudou-se para Belém do Pará, onde o marido fora
mandado à trabalho. No mesmo ano, publicou seu primeiríssimo e magnífico
romance ‘’Perto do coração selvagem’’, cujo título originou-se da sugestão do seu
amigo (e grande amor) Lúcio Cardoso. E foi logo na capital paraense que leu suas
primeiras críticas. Clarice, de um jeito tímido, mas avassalador, começava a surgir
nos cantos do Brasil, nas críticas e nos jornais. Eram os tempos da boa
vizinhança e da política de aproximação dos aliados na Segunda Guerra Mundial
(1939 -1945). Nesta década, a cidade das Mangueiras também teve as visitas da
então primeira-dama dos EUA, Eleanor Roosevelt (1884 - 1962), e do
artista, produtor cinematográfico e ilustrador, Walt Disney (1901 - 1966),
que, encantando-se pela região amazônica, decidiu homenagea-la na animação ‘’Pluto
& Mickey Mouse: Pluto e o tatu-bola’’
Abrigada no extinto Grande
Motel, Clarice enamorava escritores como: Marcel Proust, Rainer Maria Rilke e Gustave Flaubert. Nas suas trocas
de correspondências com Mário de Andrade e Lúcio Cardoso, a este último,
escreveu: ‘’tenho lido o que me cai nas mãos’’. A literatura preenchia às
lacunas da autora, outrora ocupadas pelo tédio e pela angústia ao receber às
primeiras críticas de sua obra. Tudo isso, no coração da Avenida Presidente
Vargas.
Foram 6 significativos meses da escritora na
Capital Paraense. Tornou-se amiga e uma eterna aluna do professor Francisco
Paulo Mendes (1910-1999), que organizava rodas literárias com os autores e
críticos da região. Depois foi para a Itália, rumo ao Vesúvio. Voltou outras
vezes à Belém para rever os amigos escritores.
Clarice Lispector faleceu em 1977, isolando-se
como um ser metafísico na cultura brasileira. Juntamente com Guimarães Rosa
(1908 – 1967), é considerada a grande escritora da segunda metade do século XX.
No entanto, repetindo, não haverá outra Clarice, tampouco deveria. Ao olhar
intimista e sublime, Tom Jobim e Manuel Bandeira um dia também renderam-se, era
quase inevitável, diziam os mais próximos. Acredito que há uma Clarice Lispector
em cada um de nós, confusa e exausta, e também acredito que há um pouco de nós
em cada obra de Clarice Lispector. Às semelhanças, deixemos para outros
momentos.
Fragmento de Perto do Coração Selvagem (1943)
"...tu és um corpo vivendo, eu sou um corpo vivendo, nada mais. (...) cada um com um corpo, empurrando-o para frente, querendo sofregamente vivê-lo."
Fonte: http://belemantiga.blogspot.com/2014/11/literatura-os-dias-que-clarice.html
Muito bem escrito!
ResponderExcluirParabéns!!!!!
ResponderExcluirClarice é uma das minhas escritoras favoritas. Parabéns, Tá mt bom!
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