''A saudade se dança'': A história do estilo musical que agitou os subúrbios paraenses



   
    O trágico acidente que acabou levando a rainha da saudade, Cleide Moraes, acabou pegando de surpresa todos os paraenses e amantes do brega. A cantora foi símbolo de uma época em que o brega e os ''bailes da saudade'' encantavam e davam significâncias à cena musical paraense. Certa vez, conversando em um bar qualquer com um senhor levemente embriagado de cachaça de jambu, com seus 60 anos no rosto e nos passos uma paixão invencível pelo brega, ele me disse — ''A saudade se dança''. Essa frase ficou na minha reflexão por alguns minutos. Estudando um pouco das origens, influências e histórias do gênero em questão, concluí que a frase daquele barroco fora a definição perfeita, sim, meu leitor, a saudade se dança. 

     As riquezas culturais e os mistérios amazônicos advindos da capital paraense sempre chamaram atenção dos que vieram (e vêm) de fora. Longe das grandes metrópoles, como São Paulo, Belém do Pará carrega consigo uma singularidade distinta, e na música não seria diferente. Então, para este curto e breve texto, dividirei a evolução do brega paraense em duas fases: maniqueísmo da saudade (brega e tecnobrega). 

      Inicialmente, o pioneiro, o termo ''brega'' era usado para desclassificar ou menosprezar um estilo típico e comum tocado em bordéis e cabarés que ficavam nas beiras das estradas. Com uma linguagem trovadoresca e semelhante às narrativas de cordel, o estilo ''cafona'' e ''velho'' abordava temas como o amor, solidão, traições e desilusões. A partir dos anos 60, com a explosão da Jovem Guarda, o brega ganhou espaço sendo eternizado em vozes como Odair José, Cauby Peixoto e o rei do brega, Reginaldo Rossi. 



     
         
            No entanto, na capital paraense o estilo musical ganhou forma própria, sofreu uma metamorfose cuja as raízes estavam nos sons latinos do bolero, lambada , cúmbia e merengue. Nas rádios, eram unanimidade. Os anos 50 trouxeram às ferramentas necessárias para um novo estilo que acabava de chegar, uma difusão que embalaria os subúrbios paraenses. 

          Com o romantismo predominante no cenário musical brasileiro nos anos 60 e 70, o brega paraense ganhou mais forma, uma identidade própria que teve nomes como Teddy Max, Alípio Martins e Wanderley Andrade. Desse modo, é importante ressaltar os meios de propagação deste novo ritmo, e aí entram os grandes ''bailes da saudade'' (leia atentamente, meu caro, a palavra ''saudade'', eu diria, é um privilégio nosso, não há outra língua que traduza tão fielmente tal sentimento quanto à nosso português). 




              ''Recordar é viver'' ou ''O passado é uma parada'', eram algumas das chamadas nos ditos bailes, sempre remetendo ao passado como algo prazeroso e eterno, e assim eram àquelas noites, diz uma das frequentadoras célebres do ''Brasilândia: o calhambeque da saudade'' (e minha tia), Dr Rosa; ''pegar alguém pra dançar naquela época e naquelas festas era um barato, eu era jovem e a noite durava mais que o normal''. E fora através destas festas que a divulgação do brega paraense fortificou-se. Sem o apoio das grandes gravadoras e estúdios renomados, os bailes da saudade tornaram-se as casas para muitos artistas paraenses, dentre eles, uma cantora de bolero chamada Cleide Moraes, que mais tarde ganharia o título de ''rainha da saudade''. Destacaram-se, ''Rubi: a nave da saudade'' e o já mencionado, Brasilândia.



              E, nessa linha transitória, chegamos aos anos 90. Shoppings e uma novidade até então tímida na sociedade, a internet. Na música, o uso de elementos mais melódicos era implementado. O brega, sofria outra metamorfose. Junto com tais ''avanços'' (é necessário saber que até estes progressos foram limitados), outros ritmos chegaram. O ritmo caribenho, Calipso, por exemplo entrelaçou-se no brega paraense e originou as bandas Calypso e Sayonara, referências maiores desta fusão. No entanto, com a decadência da indústria do disco e com a tecnologia cada vez mais presente na transformação da música, foi com o tecnobrega que a música regional saltou para ''a nova modernidade''. Qual paraense nunca parou na banca mais próxima para comprar um ''marcantes 2008'', vulgarmente exibindo uma mulher seminua na capa?, pois é, este tipo de produção é fruto das mudanças ocorridas no fim dos anos 90. A música ''Xirley'' , de Gaby Amarantos, mostra essa mudança no mercado fonográfico paraense.


 
  
     
              Os segmentos ''bregueiros'' permaneceram e ainda permanecem sofrendo mudanças. Novos estilos e nomes chegaram, o marketing tornou-se mais forte e a indústria paraense continua caminhando com seus grandes clássicos no bolso. O melody ganhou os espaços, junto com o tecnomelody das aparelhagens. Lucas Estrela, por exemplo, é um dos novos nomes da música popular paraense. Assim como o visionário rapper, Pelé do Manifesto. A nossa música sobrevive, ou melhor, vive. 

                A questão é que a saudade é um lugar sublime de habitação. Passos lentos, passos rápidos, rostos colados, braços na cintura, o brega paraense sempre será saudade. Contrapondo o hino da bossa nova, ''chega de saudade'', eu diria que algumas vale a pena preservar, ou, se preferir, dançar. 



     
       


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